Por Jéssica Moreira*
O debate abre com um trailer do filme “A Princesa Mononoke”, alertando-nos que sim, esta é uma conferência acerca de ecologia, mas não, esta não é uma conferência pessimista: o impulso utópico é quem marca o compasso e, como impulso utópico que é, não pode deixar de querer ver o seu projeto – ecológico e utópico – realizado.
As primeiras utopias (modernas), relembra Viriato Soromenho-Marques, animam-se desse mesmo otimismo, surgindo – a par da expansão marítima (e ideológica) europeia – como tratado político alternativo àquele oferecido pelos tratados teóricos. Abre-se, com elas, a possibilidade, a praxis e a realização científica como ideais transformadores do tempo histórico que agora se vê como força plástica. Esta maleabilidade do tempo como entidade quasi-política admite-se, assim, como permissiva da ciência enquanto método utópico, sensível à agenda ecológica. A utopia ecológica é, diz-nos, uma utopia moderna.
O que acontece hoje, na pós-modernidade, não obstante, é o excesso da realização utópica sob a forma da utopia tecnocientífica. A razão crítica helénica, marcante nas utopias da modernidade é abandonada a favor de uma razão normativa e tecnológica. A utopia é universalizada e objetificada, ao invés de crítica do status quo vigente que ameaça a utopia ecológica da modernidade. É, antes, uma “utopia” virada para a concretização científica em prol desta e não da utopia em prol da concretização científica. Alerta, por isso, à necessidade de distinguir entre o impulso ecológico da atual contra distopia ecológica e o impulso ecológico da verdadeira utopia ecológica. A realização desta última é passível, apenas, como regresso, “à valorização da casa depois da revolução copérnica, que trouxe a desvalorização da casa”. Relaciona, neste seguimento, as grandes narrativas nacionalistas com as narrativas distópicas, que anunciam o fim da história e se encontram em conflito com as narrativas propriamente utópicas dos ecologistas, que projetam e tentam proteger a continuação da história num horizonte ecológico-utópico ainda, esperamos, realizável.
Helena Freitas adensa a discussão com a questão de como pode, então, ser feita esta proteção do ímpeto ecológico: proteger a natureza, do indivíduo para as instituições ou das instituições para o indivíduo? Ou, então, podem (e como) estas duas ser articuladas dialeticamente?
Pondo os pontos nos “i’s” e remetendo-nos para a parte prática desta realização Helena Freitas divide os grandes desafios da ecologia às sociedades em três categorias-chave: a) alterações climáticas; b) conservação da biodiversidade; e c) sustentabilidade e uso dos solos de modo a suportar os desafios demográficos. De modo a responder a este e outros desafios discutidos é necessária a transição – que está já a acontecer, conta-nos – nos modelos económicos, formas políticas e relações civis: resolver as questões de cerne ecológico, económico e político requer, impreterivelmente, os cidadãos e a promoção, entre os mesmos, da alteração de padrões tanto ecológicos, como éticos, económicos, políticos e, até, religiosos. É urgente, uma mudança de atitude face aos desafios que nos são impostos, que deverão deixar de ser vistos como já irreversíveis ou incompatíveis com o nosso modo económico – tanto um como o outro caso, afirma, são não só uma utopia como uma realidade, e a comunicação desta realidade deve ser feita.
A utopia ecológica é uma utopia agregadora e a crise ambiental, afirma Paulo Rangel, traz com ela a ideia de que não existem fronteiras, nós partilhamos um mesmo espaço terrestre – como diria Immanuel Kant –, articulando esta ideia à da ecologia como verdadeiro u-topos, realizado em todo o lado e em lado nenhum. Por esta razão, deve ser transgeracional, transnacional e transtemporal. A universalidade da agenda utópica da ecologia garante que esta é, a seu ver, não apenas um direito, mas também um dever: para com o ambiente e para com as gerações futuras. Para isso, e em seguimento à intervenção de Helena Freitas, torna-se imperativo fazer corresponder as expectativas dos cidadãos com a consciência dos mesmos num movimento vinculante entre ecologia e economia. E, como a economia não pode deixar de ser acoplada com a segurança e a paz, na era da globalização e das grandes crises mundiais, Paulo Rangel argumenta, ainda, a favor do desenvolvimento sustentável como desenvolvimento da paz, nos quais os países chamados desenvolvidos devem estar na vanguarda.
Num gesto de moderação final, Luísa Schmidt refere a importância do reconhecimento de que existe, simultaneamente, um conhecimento da casa e uma gestão da mesma, ecologia e economia e, portanto, avalista do ímpeto utópico como praxis e não somente como sonho estático, adiciona a componente das microestruturas e do poder local como ferramenta da democracia – e de uma ecologia que se quer verdadeiramente democrática. Parte da solução aos desafios propostos pela crise ecológica, eloquentemente expostos pelos oradores, requer, por conseguinte, a democratização da mesma através da imaginação colaborativa entre os poderes locais e globais.
Para a utopia ecológica ser suportada e garantida também pelos cidadãos demanda que esta seja, de igual modo, uma utopia da cidadania.
* Jéssica Moreira – Licenciada em Filosofia e mestranda em Estudos Anglo-Americanos na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Jovem investigadora em Estudos Anglo-Americanos no CETAPS – Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies (Pólo do Porto – Faculdade de Letras da Universidade do Porto).