Síntese da intervenção de Marcela Uchôa* no Debate Fórum Demos: Sobreviverá a Democracia Brasileira às eleições de 2018?, realizado no passado dia 15 de outubro na Cooperativa Árvore:
A democracia sobreviverá?
Independente deste ato eleitoral, a democracia é jovem, precária e já voltou a ruir a algum tempo. A violência contra os pobres, indígenas, mulheres e classe trabalhadora sempre existiu no Brasil. Houve um período de estabilidade social, de acordos transclassistas do PT, que parecia poder garantir direitos sociais, ecológicos e políticos para a população negra, trabalhadora, indígena, feminina e LGBT. Mas a crise rapidamente acabou com essa ilusão. Ainda era no governo Dilma, quando se começou a criminalizar os movimentos sociais com as leis antiterrorismo. O processo do impeachment, os julgamentos arbitrários no processo contra Lula e o fracasso da investigação à morte de Marielle Franco demonstraram o fim do estado de direito muito antes de Bolsonaro chegar ao poder.
Bolsonaro é só a cristalização eleitoral e aceleração destes processos. Depois da sua vitoria no primeiro turno nas eleições presidenciais, e a previsível vitoria no segundo turno; é evidente que não só todas as conquistas sociais, mas a própria democracia eleitoral esteja em risco. Mesmo que Haddad consiga vencer Bolsonaro; liderará um governo fraco com um programa político esvaziado pelas coligações democráticas impossíveis: já durante a campanha deixou cair as bandeiras dos impostos sobre fortunas e o direito do aborto para agradar alguns eleitores da direita. Uma hegemonia fascista parece à beira da esquina. Para não cair em desespero é preciso entender que nem todos dos 58% que votariam Bolsonaro são neonazis.
Podemos diferenciar três tipos de pessoas que votam Bolsonaro. Existem os eleitores fascistas convictos, votam no Bolsonaro aqueles que sempre foram saudosos do regime militar e que vêem nele a eliminação da democracia como uma base de estabilidade social necessária para o desenvolvimento nacional ou acreditam na supremacia branca. Existe também a parte da classe media reacionária; que vê na emancipação social da população mais pobre um ataque ao seu status social: Votam no Bolsonaro porque não querem compartilhar o avião ou a universidade com pessoas pobres, ficam a babá das crianças em condições esclavagistas. Mas estes dois grupos são uma minoria da população Brasileira. Existe uma terceira categoria que vota Bolsonaro: aqueles que vêem em Bolsonaro uma voz anti-sistema, aqueles que querem gritar NÃO contra a corrupção, promessas frustradas, esperanças de ascensão social frustrada, contra as alianças duvidosas. As pessoas pobres, negras, trabalhadores, faveladas, mulheres que votam Bolsonaro. A esperança da democracia deve estar nestas pessoas desta categoria que não tem interesse pessoal na vitoria de Bolsonaro: estas pessoas são a maioria do apoio a Bolsonaro, e podem, e devem, ser ganhas de volta… Mas para isso será necessário um reorganização da esquerda, e uma profunda critica interna, e o renascer da esperança de muitas outras “Marielles”, pessoas comuns, que acreditam que a mudança através da luta é possível .
* Marcela Uchôa cursa doutoramento em Filosofia Política na Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é membro colaborador do Instituto de Estudos Filosóficos, Vice-Presidente da APEB Coimbra (Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra). Professora de Ética e Filosofia do Direito na Faculdade Cearense. Ativista de Direitos Humanos com ênfase em refugiados e movimentos feministas.